sábado, 14 de julho de 2012

AVÔA PAPAI AVÔA

Meu pai está morrendo, nesse exato instante, enquanto escrevo, ele morre um pouco, não é possível fazer mais nada, nesse momento, seu cérebro, do tamanho de uma maçã, cresce o tumor, começou no reto, por caminhos tortos, tortuosos, no pulmão se instalou, como se viajasse através do ar, encontrou na garganta um lugar pra morar. Aos poucos foi expandindo seu território, dominando aliados próximos, não podíamos imaginar, uma doença tão voraz, com nossas poucas defesas foi violenta, de forma abrupta, sem pedir licença, conquistou o cérebro, que está sucumbindo a sua presença, o topo da pirâmide foi dominado, onde a ajuda não pode chegar, agora todos esforços são em vão, devagar e de forma silenciosa, derrubou esse touro, foi certeira, cabeça dura não pode com essa doença traiçoeira, nossa última esperança, depois de muitos coices, olés e espetadas, chegou a hora, o touro não enxerga mais nada, evacua na hora errada, já não fala, não sabe se o hoje é o agora, nem porque chora. A pouco contava causos, com um pé na morte, nos fazia morrer de rir com suas piadas infames, que ironia, de vista vendada, as lágrimas escorriam em câmera lenta, como se nos dissessem, não mereço, não fiz nada... Ninguém fez meu pai, ninguém, nem eles, nem nós, nem você, nem eu, fizemos o que dava, vivemos vendados por nós e por tantos, aos trancos e barrancos nos entendemos, tive que te odiar pra te amar, crescer pra te entender, te conheci no leito, um pouco antes talvez, naquela inesquecível viagem que mudou nossos rumos, sempre soube que era o mais forte, sempre, o mais rígido também, mas, nunca imaginei que de você viesse toda minha pirraça, mamãe contagia, mas você, nostalgia, leva na graça... na grosseria, no medo, na raiva, esses eu conheci bem, que o diga, seu vizinho de quarto, que com a enfermeira faltou ao respeito, e você mesmo sem conseguir abrir os olhos, esbravejava, os presentes o admiraram por falar o que todos queriam, mas ninguém falava, terminou o sermão dizendo, "e se você não se desculpar agora, levanto daqui e te encho de porrada!!!", detalhe, estava com as pernas praticamente atrofiadas, vai vendo... Baixinho, parrudo, enfezado e engraçado, mil histórias, mil faces, mil coisas, acho que não vai dar pra conhecer todos “você, perdemos algum tempo ali atrás, ah se o tempo pudesse voltar pra gente dar novas cabeçadas. Se tiver que ir, vai em paz, chega de sofrer, leva meu amor, perdão e gratidão, nos vemos ali na frente, em outro ano, em carne, osso, em nada, alma penada, de diferentes tamanhos, amo você.

Douglas Campigotto

Um comentário:

Anônimo disse...

Tanto faz quem sou... na verdade nem nos damos há muito, muito tempo. Mas sem querer vim parar aqui, e vi este senhor tão parecido com vc. E Li! E senti, com lagrimas nos olhos a dor de quem já esteve no mesmo lugar que vc e os seus... Sinto muito, de coração aberto... sinto muito.