sábado, 14 de julho de 2012

CORRE"DORES"

...no corredor esperando por um leito, enquanto babava, entre enfermos, enfermeiras e muita gente de contas pagas, tendo que passar por mais uma prova, sem poder se jogar fora, sem poder, pacientes terminais olhavam para o nada, como que vissem uma passagem pra fora dali, de si, qualquer coisa menos o agora, com luvas infladas feito bola, não é possível brincar, aos pouco fui entendendo, calcanhares esfolados de tanta cama, bolha de sangue, entendi a sonda, vi o sebo, convivi com a murrinha, e aquele cheiro, o hálito que já não enjôa, ojeriza de outrora agora me faz pensar, um pensamento triste, não há nada de prático numa hora dessas, muitas práticas, táticas do jogo. Até hospital tem seus parasitas, seus hóspedes ilustres, os habituês, na cadeira de rodas sondava quem ia passando e indagava na medida que sua desconfiança crescia, "tem um pacote de bolacha aí?!" alguns diziam que ele havia quebrado a própria perna, é rir pra não chorar, tanta miséria, tantos guerreiros, tantos, vejo Lulas, Josés, Reinaldos, ovacionados como bravos, saibam que Antonio é foda, comeu pão sovado, feito rato, num canto, ele e tantos, bons, mas sem os melhores acompanhando, sem dignidade, implorando por exames, de cabeça raspada, costurada, no fio na navalha, de fraldas, punk! Nada de colorido, nem o lençol, apenas as feridas, expostos, fracos, empilhados numa sala, um feixe de sol entra, mas o frio não passa, sorte de quem vai, sofre quem fica, pena de quem tenta, mas não consegue partir, passar de porta em porta, ver gente boa, gente má, maltratada, magra, sem afeto, com expressão de nada, gente velha, gente nova, gente, uma garota que aparenta 13, outro acabou de casar, o gigante, vizinho de quarto, alemão, só faz esperar, os gemidos de dor são uma sinfonia dispensável, para quem escuta, pra quem sente é necessário, uma alívio temporário, as vezes imaginário, um alento em meio a tanto sofrimento, os sorrisos desaparecem a medida que as luzes se apagam, alguns poucos conseguem descançar, é então que constato, que a tristeza sabe falar...

Douglas Campigotto

AVÔA PAPAI AVÔA

Meu pai está morrendo, nesse exato instante, enquanto escrevo, ele morre um pouco, não é possível fazer mais nada, nesse momento, seu cérebro, do tamanho de uma maçã, cresce o tumor, começou no reto, por caminhos tortos, tortuosos, no pulmão se instalou, como se viajasse através do ar, encontrou na garganta um lugar pra morar. Aos poucos foi expandindo seu território, dominando aliados próximos, não podíamos imaginar, uma doença tão voraz, com nossas poucas defesas foi violenta, de forma abrupta, sem pedir licença, conquistou o cérebro, que está sucumbindo a sua presença, o topo da pirâmide foi dominado, onde a ajuda não pode chegar, agora todos esforços são em vão, devagar e de forma silenciosa, derrubou esse touro, foi certeira, cabeça dura não pode com essa doença traiçoeira, nossa última esperança, depois de muitos coices, olés e espetadas, chegou a hora, o touro não enxerga mais nada, evacua na hora errada, já não fala, não sabe se o hoje é o agora, nem porque chora. A pouco contava causos, com um pé na morte, nos fazia morrer de rir com suas piadas infames, que ironia, de vista vendada, as lágrimas escorriam em câmera lenta, como se nos dissessem, não mereço, não fiz nada... Ninguém fez meu pai, ninguém, nem eles, nem nós, nem você, nem eu, fizemos o que dava, vivemos vendados por nós e por tantos, aos trancos e barrancos nos entendemos, tive que te odiar pra te amar, crescer pra te entender, te conheci no leito, um pouco antes talvez, naquela inesquecível viagem que mudou nossos rumos, sempre soube que era o mais forte, sempre, o mais rígido também, mas, nunca imaginei que de você viesse toda minha pirraça, mamãe contagia, mas você, nostalgia, leva na graça... na grosseria, no medo, na raiva, esses eu conheci bem, que o diga, seu vizinho de quarto, que com a enfermeira faltou ao respeito, e você mesmo sem conseguir abrir os olhos, esbravejava, os presentes o admiraram por falar o que todos queriam, mas ninguém falava, terminou o sermão dizendo, "e se você não se desculpar agora, levanto daqui e te encho de porrada!!!", detalhe, estava com as pernas praticamente atrofiadas, vai vendo... Baixinho, parrudo, enfezado e engraçado, mil histórias, mil faces, mil coisas, acho que não vai dar pra conhecer todos “você, perdemos algum tempo ali atrás, ah se o tempo pudesse voltar pra gente dar novas cabeçadas. Se tiver que ir, vai em paz, chega de sofrer, leva meu amor, perdão e gratidão, nos vemos ali na frente, em outro ano, em carne, osso, em nada, alma penada, de diferentes tamanhos, amo você.

Douglas Campigotto